O presente texto, apesar do título poder ser ofensivo para
muitos, não pretende ferir nem constranger os espíritos natalícios da época e
estragar-lhes as santas compras; pretende, isso sim, conjugar aquilo que neste
espaço se debate (política) com a quadra festiva que actualmente se vive (o
Natal) e propiciar, do choque dos dois, um exercício intelectual incidente
sobre a figura central do Natal (Jesus Cristo e não o Pai Natal) que decorra da
seguinte pergunta: se Jesus fosse hoje vivo, de que força/partido político
seria militante?
Ora, a pergunta colocada não é de todo descabida ou
despropositada porquanto, afastando-nos nós do Jesus vendido e propagandeado
pela Igreja Católica Apostólica Romana, apenas podemos considerar que Jesus
Cristo era, no seu tempo, aquilo que se poderia designar um político…Um
político radical, de ideias e ideais anti-sistema e “anti-establishment”,
revolucionário, filósofo e visionário de uma visão ainda hoje não concretizada
e cada vez mais longínqua. A sua doutrina ideológica de igualdade, de ajuda aos
mais pobres, desfavorecidos e marginalizados, a ideia central da generosidade
contra a da ganância e individualismo e o seu carácter revolucionário encontram
ressonância maior, no que ao espectro político actual diz respeito, na doutrina
comunista, que apregoa um completo a até violento desapego e despojamento do
materialismo ostentador do mérito individual e individualista a favor de um bem pretensamente maior, comum e partilhado por todos. Poder-se-á questionar a justeza e até justiça
de tal visão, numa óptica do “free-lunching” e do “free-riding”, o que não se
pode é conotar ideologias políticas consubstanciadas na iniciativa privada, que
consideram a redistribuição uma perversão à premiação do mérito dessa mesma iniciativa
individualista, com o ideal cristão. É absurdamente paradoxal a maioria das
pessoas que lerem o título deste texto ficarem de certa forma constrangidas com
o mesmo mas acharem perfeitamente normal e aceitável partidos políticos, que
consideram tirar a quem mais tem para dar a quem menos tem (no fundo uma ideia
fundamental da doutrina cristã) um verdadeiro atentado ao seu conceito de
justiça meritocrática, designarem-se “democrata-cristãos”….Isto é a definição de
hipocrisia paradoxal e que apenas se pode compreender naquilo que é a eterna
confusão e entre o que é cristianismo e o que é catolicismo, entre o que é Jesus Cristo
e o que é a Igreja Católica. Se admitirmos que a pretensão daqueles que se
auto-denominam “democrata-cristãos” se funda nessa confusão, então torna-se completamente
compreensível designarem-se enquanto tal. Mas eu, enquanto apreciador de Jesus
Cristo, da sua filosofia, da sua visão revolucionária e daquilo que foi a sua
mensagem política, sinto ser meu dever contributivo neste Natal de 2015, ajudar
a esclarecer e determinar a diferença entre o que é ser cristão e o que é ser católico
e com base nessa diferenciação pedir, encarecidamente, às actuais ideologias
políticas que se auto-designam “democrata-cristãos” que se passem a chamar, ao
invés, “democrata-católicos” por muito mais apropriado ser à ideologia que lhes
subjaz. Senão vejamos:
“- Pavlíchev tinha uma mente
clara e era cristão, um verdadeiro cristão – disse de repente o príncipe. –
Como é que podia entregar-se a uma crença…não cristã? Porque o catolicismo é a
mesma coisa que uma crença não cristã! – acrescentou repentinamente, com brilho
nos olhos, passando os olhos por todos, mas sem olhar para ninguém.
- É um
exagero – murmurou o velhinho e olhou, surpreendido, para Iván Fiódorovitch.
- Como
é que o catolicismo não é uma crença cristã? – virou-se na cadeira Ivan Petróvitch.
– Então que crença é?
- É, em
primeiro lugar, uma crença não cristã! – voltou a falar, numa extrema emoção e
com demasiada aspereza, o príncipe. – Isto, em primeiro lugar. Em segundo
lugar, o catolicismo romano é pior do que o ateísmo, é essa a minha opinião!
Sim! A minha opinião! O ateísmo apenas propaga o zero, mas o catolicismo vai
mais longe: apregoa um Cristo deturpado, caluniado e profanado por ele próprio,
um Cristo ao contrário! Prega o anticristo, juro-lhes, juro-lhes! É a minha
convicção pessoal, desde há muito, e tem-me atormentado… O catolicismo romano
defende que sem um poder estatal universal a Igreja não sobreviverá na terra e
grita: Non possumus! A meu ver, o
catolicismo romano nem sequer é uma crença, mas uma mera continuação do Império
Romano do Ocidente, e tudo no catolicismo está submetido à ideia de império, a
começar pela fé. O papa apoderou-se da terra, do trono terrestre, e pegou na
espada; então, a partir do momento em que o fez, tudo vai nesse sentido, só que
o catolicismo acrescentou à espada a mentira, a manha, o embuste, o fanatismo,
a superstição, a malfeitoria, tem brincado com os sentimentos mais sagrados do
povo, mais autênticos, mais ingénuos, mais ardorosos, tem trocado tudo por
dinheiro, tudo, pelo ignóbil poder terreno. Não será isso uma doutrina do
anticristo?” (Fiódor Dostoiévski, em “O Idiota”).