sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD

Muito se tem falado sobre as diferenças dentro da esquerda portuguesa e argumentado que tais profundas fracturas se constituem num impeditivo de estabilidade do anunciado governo de esquerda. Que comum se tornou assistir a pessoas e personalidades aparecerem, sempre debaixo de holofotes, a exacerbarem as suas melhores e mais dramáticas expressões do mais profundo choque, incompreensão e transtorno por a esquerda se ter atrevido a acordar, entre ela, uma solução governativa que não aquela a que nos habituámos ter.

Para lá das questões de legitimidade (cuja retórica anti-democrática da direita abordarei futuramente), julgo ser importante abordar a questão numa perspectiva de substância e tentar determinar, substancialmente, o que terá, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, feito o PS distanciar-se do “centro” direita e ter-se aproximado da esquerda. Tal exercício é, na minha opinião, fundamental para se compreender que a decisão do PS resulta não só, como tanto se quer fazer crer, duma legitimidade meramente formal e legal mas também, e mais importante, duma legitimidade de substância enraizada numa fracturante diferença ideológica para com o actual PSD, que, por muito mais profunda ser do que as diferenças que separam PS de PCP e Bloco de Esquerda, tornam apenas normal e natural a aproximação à esquerda e o distanciamento relativamente à direita.
A profunda diferença entre PS e a actual direita portuguesa (direita e não centro direita) emana-se da manifestação, em Portugal, daquilo que defini em textos anteriores como sendo o Capitalismo de Último Reduto. Foi a imposição desse modelo e dessa visão socio-económica em Portugal levada a cabo pelo governo de Passos/Portas que fez nascer essa fractura insanável entre PS e direita portuguesa. Para além do programa de privatizações, do completo desprezo pelo Estado Social, dos constrangimentos deliberada e intencionalmente inseridos no Sistema Nacional de Saúde e da manifesta predilecção pelo ensino privado em detrimento do ensino publico, houve um outro aspecto da governação capitalista de último reduto conduzida por Pedro Passos Coelho que fez estalar o verniz do brilhante e reluzente arco da governação – a chamada, muitas vezes por António Costa, política do empobrecimento. O que designa esta política? Esta política designa a visão de competitividade, de crescimento económico e de desenvolvimento social preconizada pelo ainda governo de direita, assente numa desvalorização do factor trabalho como factor de competitividade.

A questão fundamental da economia portuguesa e a sua problemática estrutural consiste num problema de produtividade. O problema não é Portugal gastar de mais, o problema é Portugal ter índices de produtividade que não são suficiente para gerar um “output” em termos de produção que seja compatível com os seus gastos. Em termos práticos, o nível de vida dos portugueses em termos de consumo não é corroborado nem suportado pela sua capacidade produtiva, gerando-se aqui um “gap” estrutural que é preenchido pela concessão de crédito, conduzindo dessa forma a um endividamento que é também ele estrutural. E é perante este problema fundamental da economia portuguesa que PS e (este) PSD revelam a sua enorme diferença ideológica e dictomia programática. Perante a diferença existente entre aquilo que se ganha, sobretudo em termos de rendimento de trabalho, e aquilo que se produz, PSD propõe-se combater essa desigualdade, conforme o demonstraram os seus 4 anos de governação, através da diminuição dos rendimentos (sobretudo de trabalho) enquanto que PS se propõe combater essa mesma desigualdade estrutural não por via da redução dos salários mas pela outra via, a do aumento produtividade, conforme se evidenciou aquando da governação do famigerado governo de José Sócrates.  É na resposta a este problema fundamental da economia portuguesa que se antagoniza a perspectiva sobre o próprio modelo de crescimento e desenvolvimento preconizados ora por PSD ora por PS, porquanto PSD preconiza um modelo de crescimento e competitividade assente em baixos salários, na flexibilização do mercado laboral e em tudo que possa conduzir a uma redução do custo com o trabalho capaz de atrair Investimento Privado (sobretudo estrangeiro) susceptível de, com ele, trazer inovações processuais e tecnológicas que por essa via confiram à economia os níveis competitividade e produtividade que possibilitem esbater a diferença estrutural já referida (um modelo de desenvolvimento à la China); por outro lado, PS defende que a diferença estrutural entre aquilo que se ganha e aquilo que se produz deve ser combatida e anulada, não por via duma redução daquilo que se ganha mas por um aumento daquilo que se consegue produzir através de um aumento dos índices de produtividade assente numa política direccionada para a educação, formação e qualificação do factor trabalho. Desta clara dictomia, resultam dois modelos de concepção económico-social e duas visões ideológicas para a sociedade diametralmente antagónicas, que, na minha perspectiva, se constitui numa diferença de muito mais difícil superação do que qualquer diferença relativamente ao posicionamento de Portugal na União Europeia ou de Portugal na NATO, que, apesar de matérias também elas fundamentais para a sociedade portuguesa, não se equiparam nem podem equiparar àquilo que se constitui numa diferença sobre a própria concepção de modelo social de desenvolvimento que se perspectiva para o país. É por isso que julgo que aquilo que hoje separa o PS da direita portuguesa é muito mais profundo do que aquilo que o separa da esquerda, pelo que é com perfeita naturalidade e normalidade que assisto ao seu distanciamento desta direita radicalizada num neoliberalismo europeu e sua aproximação à esquerda, o que inevitavelmente configura um novo desenho parlamentar, cuja força, por democrática ser, deverá ser respeitada. 

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