sábado, 7 de maio de 2016

A maldição da Língua Portuguesa

Nota ao Leitor – o presente texto não será escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico.


Não sou pessoa devota de particular religiosidade mas nutro em mim um sentido de divindade que à noção de “karma” se assemelhará; uma crença, não fundamentada racionalmente nem factualmente, de que a actos, atitudes e condutas adoptadas no presente corresponderão sempre, de forma mais ou menos tangível, as conformes consequências no futuro.

A 13 de maio de 2009 iniciou-se o período de transição do designado Acordo Ortográfico, que terminado em 2015 significou uma nova forma de escrever e falar o Português. Este acordo de mudança designa um claro abastardamento da língua portuguesa na sua submissão ignominiosa àqueles que não sendo os seus pais, são os que actualmente têm o capital e os recursos que a sustentam. Traduzindo para Português de Camões…Numa idiótica tentativa de aproximação ao
capital dos países mais ricos que português falam, o Estado português esboçou esta atrocidade de Acordo Ortográfico que almeja uma uniformização da língua portuguesa determinada e ditada pelas preguiçosas versões faladas e escritas no Brasil, Angola e Moçambique. Para que o capital destes países, tão ansiados em Portugal, se pudesse exprimir na sua plenitude capitalística, deixou-se de usar consoantes para abrir vogais e neste fecho da língua portuguesa à diversidade e peculiaridades que a enriquecem, agradou-se a quem essa diversidade não conseguia perceber, numa submissão de um dos maiores patrimónios nacionais (que é a sua Língua) ao primado financeiro, no que poderia ser descrito como mais uma manifestação cabal deste Capitalismo de Último Reduto que até à Língua Oficial de um país submete aos caprichos do seu capital de sequestro.

Evocando o preâmbulo deste texto, não posso deixar de sentir um certo regozijo ao analisar o estado actual dos principais protagonistas deste abastardamento e deste insulto à Língua Portuguesa, 7 anos depois de perpetrados. Vejamos…
- Brasil: em profunda crise económica decorrente da baixa dos preços de petróleo, também a sua língua nativa que é a corrupção sofreu com a mudança de humor do capital que a sustenta, e perante a escassez de recursos que passou a grassar nas suas carnavalescas elites, desnudaram-se (alguns/poucos) corruptos e num decrépito e folclórico episódio novelesco colocou-se o país à beira de uma grave crise social que, por tão obscena ser, nem com o recurso ao Português de Bocage se conseguiu definir, tendo ficado associado a um “inglesismo”, que tão típicos são no Brasil – IMPEACHMENT!
- Angola: também a braços com uma crise económica gerada pela baixa dos preços de petróleo, o portento económico africano temeu pela sua cleptocracia gravitante dos Santos, e numa humilhante demonstração de fraqueza pediu ajuda ao FMI, vendo agora as portas portuguesas para a Europa cosmopolita com que fantasiam cada vez mais estreitas.
- Moçambique: não só as contas foram escondidas em Moçambique e agora que foram descobertas as 1.600 milhões tensões escondidas entre Renamo e Frelimo, o país vive não só o perigo do colapso financeiro derivado do corte dos apoios da entidades internacionais de que depende umbilicalmente, como o Banco Mundial e mil e uma outras entidades internacionais de todo o tipo de fomento, como enfrenta também a ameaça real de uma guerra civil, sanguinária ao bom estilo africano.
- Portugal: decrépito e dependente das suas antigas colónias, o velho senhor feudal e esclavagista encarquilha-se agora, curvado em si mesmo, num canto da Europa tremendo e rezando para que os seus antigos súbditos não sucumbam às suas patologias crónicas e bombeiem sangue fresco (entenda-se capital financeiro) para este coração moribundo da Língua Portuguesa.

 “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha."

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

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