Nota ao Leitor – o presente
texto não será escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico.
Não sou pessoa devota de particular religiosidade mas nutro
em mim um sentido de divindade que à noção de “karma” se assemelhará; uma
crença, não fundamentada racionalmente nem factualmente, de que a actos,
atitudes e condutas adoptadas no presente corresponderão sempre, de forma mais
ou menos tangível, as conformes consequências no futuro.
A 13 de maio de 2009 iniciou-se o período de transição do
designado Acordo Ortográfico, que terminado em 2015 significou uma nova forma
de escrever e falar o Português. Este acordo de mudança designa um claro abastardamento
da língua portuguesa na sua submissão ignominiosa àqueles que não sendo os seus
pais, são os que actualmente têm o capital e os recursos que a sustentam. Traduzindo
para Português de Camões…Numa idiótica tentativa de aproximação ao
capital dos
países mais ricos que português falam, o Estado português esboçou esta
atrocidade de Acordo Ortográfico que almeja uma uniformização da língua
portuguesa determinada e ditada pelas preguiçosas versões faladas e escritas no
Brasil, Angola e Moçambique. Para que o capital destes países, tão ansiados em
Portugal, se pudesse exprimir na sua plenitude capitalística, deixou-se de usar
consoantes para abrir vogais e neste fecho da língua portuguesa à diversidade e
peculiaridades que a enriquecem, agradou-se a quem essa diversidade não
conseguia perceber, numa submissão de um dos maiores patrimónios nacionais (que
é a sua Língua) ao primado financeiro, no que poderia ser descrito como mais
uma manifestação cabal deste Capitalismo de Último Reduto que até à Língua
Oficial de um país submete aos caprichos do seu capital de sequestro.
Evocando o preâmbulo deste texto, não posso deixar de sentir
um certo regozijo ao analisar o estado actual dos principais protagonistas
deste abastardamento e deste insulto à Língua Portuguesa, 7 anos depois de
perpetrados. Vejamos…
- Brasil: em profunda crise económica decorrente da baixa dos
preços de petróleo, também a sua língua nativa que é a corrupção sofreu com a
mudança de humor do capital que a sustenta, e perante a escassez de recursos
que passou a grassar nas suas carnavalescas elites, desnudaram-se
(alguns/poucos) corruptos e num decrépito e folclórico episódio novelesco
colocou-se o país à beira de uma grave crise social que, por tão obscena ser,
nem com o recurso ao Português de Bocage se conseguiu definir, tendo ficado
associado a um “inglesismo”, que tão típicos são no Brasil – IMPEACHMENT!
- Angola: também a braços com uma crise económica gerada
pela baixa dos preços de petróleo, o portento económico africano temeu pela sua
cleptocracia gravitante dos Santos, e numa humilhante demonstração de fraqueza
pediu ajuda ao FMI, vendo agora as portas portuguesas para a Europa cosmopolita
com que fantasiam cada vez mais estreitas.
- Moçambique: não só as contas foram escondidas em Moçambique
e agora que foram descobertas as 1.600 milhões tensões escondidas entre Renamo
e Frelimo, o país vive não só o perigo do colapso financeiro derivado do corte
dos apoios da entidades internacionais de que depende umbilicalmente, como o
Banco Mundial e mil e uma outras entidades internacionais de todo o tipo de
fomento, como enfrenta também a ameaça real de uma guerra civil, sanguinária ao
bom estilo africano.
- Portugal: decrépito e dependente das suas antigas
colónias, o velho senhor feudal e esclavagista encarquilha-se agora, curvado em
si mesmo, num canto da Europa tremendo e rezando para que os seus antigos
súbditos não sucumbam às suas patologias crónicas e bombeiem sangue fresco
(entenda-se capital financeiro) para este coração moribundo da Língua
Portuguesa.
“Não tenho
sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto
sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que
invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente.
Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve
mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia
simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada,
como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que
me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a ortografia também
é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração
greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e
rainha."
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
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