Numa altura em que o Capitalismo definha no seu terminal
estágio de Último Reduto e se encontra aberta a vaga para modelo socioeconómico
do mundo, os mais recentes eventos em Cuba (com a visita de Obama e o concerto
dos Rolling Stones) prenunciadores de um processo de abertura deste regime a
ocorrer num futuro próximo, não podem deixar de ser vistos e encarados como uma
capitulação e rendição do Comunismo e uma admissão, por parte do seu maior
embaixador, que este não será o modelo a ocupar essa mesma vaga.
Depois de muito resistir e subsistir a um embargo e
isolamento históricos, não deixa de ser curioso (e revelador da incapacidade
comunista) ser exactamente no momento de maior fragilidade e vulnerabilidade do
Capitalismo, com as suas débeis estruturas financeiras e os seus alicerces
imobiliários com fissuras que ameaçam o desabamento e colapso, ser exactamente
neste período de debilidade capitalista em que se anseia por uma solução
alternativa, que o último bastião comunista capitule perante o bastião
capitalista e lhe abra as suas portas, com o desejo mal disfarçado de lhe abrir
muito mais… O início do fim do embargo e isolamento cubanos, simbolizado pelos
eventos acima referidos, significa tão somente a admissão de Cuba aos mercados
de bens e serviços mundiais, aos mercados financeiros e de capitais do mundo
ocidental e capitalista e o facto de tal admissão ser desejada por Cuba
significa tão somente a capitulação comunista e a confissão do seu maior
prossecutor de que este não é nem nunca será o modelo socioeconómico capaz de
providenciar a qualidade de vida, em termos económicos e sociológicos, por que
as pessoas anseiam.
Sendo Cuba o último reduto do Comunismo, o único caso de
algum sucesso relativo e o reinado mais longo da experimentação comunista, a
sua capitulação enfatiza a impraticabilidade da teoria comunista. A teoria
comunista, e restrinjo-me aqui à original marxista e não às derivações do seu
choque com a realidade nas variantes leninistas e trotskistas, consagra na sua
ideologia um estádio de transição, que antecederia o atingimento do estado
idílico comunista, a que designa de “ditadura do proletariado”; a ditadura do
proletariado designa a fase de transição do modelo anteriormente vigente para o
modelo comunista e defende, segundo Karl Marx, que durante esta fase dever-se-á
inclusive recorrer à força física e armada de forma a reprimir e eliminar
quaisquer agentes e elementos com ligações ao anterior e pernicioso regime não-comunista,
porquanto não seria possível atingir o estado igualitário do Comunismo enquanto
subsistissem agentes dissidentes e defensores do antigo regime. O insucesso de
toda e qualquer experimentação comunista prende-se exactamente com o facto de
nunca nenhum destes regimes ter sido capaz de superar este estádio, que
supostamente seria de transição, da ditadura do proletariado e ter atingido o
estado final do Comunismo; em abono da verdade para com a ideologia marxista,
poder-se-á mesmo afirmar que nunca existiu um verdadeiro regime comunista no
mundo e que tudo o que houve foram regimes de ditadura do proletariado, que se
esgotaram nesta fase transitória sem nunca ter conseguido culminar num verdadeiro
estado comunista. Muitas razões podem ser apontadas para esta incapacidade mas
a mais premente, subsistente e insuperável enraíza-se na própria natureza
humana, que, como definiu Adam Smith (ideólogo contra quem idealizaram Marx e
Engels), é essencialmente e fundamentalmente egoísta e individualista e por
isso contrária à teoria igualitária e despojada de individualismo preconizada
pelo Comunismo.
Cuba terá sido o projecto que mais se aproximou da superação
do estágio da ditadura do proletariado e do alcance de um verdadeiro estado
comunista mas depois de meio século a combater a natureza humana, a final e anunciada
capitulação exclama a insuperabilidade deste estágio que nunca se conseguiu que
fosse apenas de transição. Depois de ter sobrevivido à guerra-fria e ter
subsistido quando todos os outros pereceram já, Fidel Castro sucumbe “at last”
perante o inimigo que a todos os pretendentes comunistas derrotou e derrotará,
a natureza humana. Contra ela bastante lutou e nessa luta atentatória dos
direitos humanos, por atentar contra a sua natureza, pode levar com ele, como
menção honorária, uma população 100% alfabetizada, instruída e educada e um
sistema de saúde universal gratuito de cuidado e tratamento humano que a ninguém
exclui…Pode levar com ele ter sido quem mais perto esteve de atingir o clímax
comunista nunca antes experienciado. Mas levará também, certamente com ele, as
mortes e as castrações de liberdades de que foi responsável nesta tentativa utópica
de contrariar a natureza humana.
“Se ela pudesse expor os seus sentimentos diria que não era
isso o que eles desejavam quando destronaram a raça humana. Estas cenas de
terror e assassinato nada se pareciam com o que visionavam naquela primeira
noite em que Major lançara as bases para a Revolta. O seu ideal era uma
sociedade de animais livres da fome e do chicote, todos iguais, cada um
trabalhando segundo a sua capacidade, o forte protegendo o fraco, como ela
tinha protegido com a sua pata os pequenos patinhos na noite do discurso de
Major. Em lugar disto – e sem saber porquê – agora ninguém podia expor os seus
pensamentos sem ser agredido por cães ferozes, e obrigado ainda a ver os seus
camaradas feitos em pedaços, depois de confessarem os seus chocantes crimes.”
(George Orwell, em “O Triunfo dos Porcos”).
Sem comentários:
Enviar um comentário