Perante o surgimento pujante da China enquanto potência
económica mundial e a braços com uma crise económico/financeira, a União
Europeia viu relegada para segundo plano a sua relevância no quadro político
internacional, o que conduziu a uma alienação identitária do projecto europeu,
em termos externos, carente de uma resposta imediata e assertiva por parte da
Europa. Qual foi essa resposta?
O poder político, diplomático é conferido por uma de duas
vias, a financeira ou a militar ou, como no caso dos EUA, pelas duas em
simultâneo (e daí ser a superpotência mundial que é). Confrontada com a
necessidade de recuperar a sua posição de poder no quadro diplomático internacional,
optar por uma via militar seria despropositado e inevitavelmente desastroso,
não só porque se constituiria numa missão quase impossível como seria também
atentatório dos próprios princípios e fundamentos da União Europeia de não
beligerância e de uma imposição no panorama político internacional por vias
pacíficas. Restava então à União a via financeira. Dissequemos então essa
resposta…
A resposta dada pela União Europeia, não sendo um prodígio
de criatividade, designa uma reacção muito típica de alguém ou algo quando se
vê confrontado como uma entidade que a ameaça, e que passa por replicar a acção
dessa própria entidade ameaçadora. Quando alguém grita connosco, é reacção
natural gritarmos de volta em resposta, quando alguém nos esmurra é expectável
devolvermos um soco da nossa autoria…Quando a China cresceu a ritmos alucinantes
alicerçada num modelo de crescimento cujo factor competitivo se constitui nos
baixos custos de mão-de-obra praticados, a Europa quis responder na mesma moeda
e importar para o projecto europeu esse mesmo modelo de crescimento assente
numa desvalorização do factor trabalho enquanto factor de competitividade.
Um aspecto relevante do processo de integração europeia e um
traço marcante da sua identidade constituía-se na sua política comum, pelo
menos aparente e formal, de tomada de medidas que apontassem a um processo de
convergência entre os países periféricos e os países do centro da Europa; cronicamente
com índices de produtividade inferiores aos dos países do centro europeu, a
União Europeia, através de Bruxelas sempre incentivara e promovera junto dos
governos dos países periféricos a adopção de medidas e políticas que visassem o
aumento dos índices de produtividades desses países que os permitisse
concretizar modelos de crescimento económico e desenvolvimento social
semelhantes aos prosseguidos no centro da Europa, sustentados em mão-de-obra qualificada
capaz de gerar output de alto valor acrescentado, e cujos benefícios do
processo de crescimento decorrente seriam partilhados justamente por essa
mão-de-obra qualificada, contribuindo dessa forma para um processo de
crescimento económico mitigador de desigualdades e, consequentemente, para um
processo de desenvolvimento social e humano mais justo e sustentável. Este era
até recentemente, no que a características internas diz respeito, a matriz
identitária fundamental da União Europeia e da Europa.
Tudo mudou de há 5/6 anos a esta parte! Com o surgimento da
crise de dívida soberana, afectando sobretudo os países periféricos europeus, e
perante a ameaça chinesa já abordada, a Europa viu-se encurralada para o canto
do imperativo de crescimento económico imediato. Com a China a relegar a Europa
para um plano financeiro mundial secundário e os mercados a exasperarem-se com
as dívidas periféricas, não existia já tempo para esperar que medidas de
longo-prazo como as que incidem sobre a educação, formação e qualificação de
mão-de-obra necessárias à prossecução de modelo de crescimento preconizado,
fizessem o seu efeito. Perante este imperativo de crescimento económico, aos
países que não tinham conseguido, durante o tempo de “vacas gordas” na Europa, dotar
as suas economias de índices de produtividade capazes de sustentar o modelo
económico virtuoso atrás descrito, para esses países acabara-se a paciência…Não
tendo, durante todo este tempo de União Europeia, sido capazes de fazer
convergir os seus índices de produtividade com os dos países do centro e
perante o imperativo de crescimento económico enfrentado pela Europa, a estes
países periféricos, com baixos índices de produtividades, restava aceitar a
imposição de um modelo de crescimento susceptível de gerar resultados imediatos
sujeito aos condicionalismos de produtividade supra referidos. A estes países
periféricos restava aceitar a imposição pela Europa do modelo de crescimento chinês,
assente numa economia capaz de atrair investimento privado não pelos seus índices
de produtividade mas pelos baixos custos da sua mão-de-obra.
A imposição deste modelo de crescimento aos países da
periferia levada a cabo por Bruxelas foi possibilitada e facilitada pela crise
das dívidas públicas enfrentada por estes países; a troco de resgates financeiros
e compra de títulos de dívida por parte do BCE em mercados primários e secundários,
exigiu-se a estes países que flexibilizassem o seu mercado laboral, que
cortassem nos salários praticados, que eliminassem subsídios e regalias
laborais, que aumentassem a carga horária laboral e que até feriados (religiosos
ou não) se cortassem… Exigiu-se tudo que conduzisse a uma desvalorização
laboral coadunável com o modelo de crescimento proposto para esses países.
E foi assim que, na Europa, se deu início a esta
experimentação periférica, que ocorre nos dias de hoje, e que designa a
transposição para o modelo europeu, por via dos países da periferia, do modelo
de crescimento económico chinês, que por apenas incidir sobre os países
periféricos determina uma reconfiguração da Europa e a passagem de uma Europa
de convergência para uma Europa assumidamente a duas velocidades, com um modelo
de crescimento económico assente em mão-de-obra qualificada para os países do
centro e um outro modelo de crescimento económico assente mão-de-obra barata
para os países periféricos.
Assim se conclui que da resposta à alienação identitária da
Europa no plano externo resultou uma descaracterização em termos internos que
apenas agravou a crise identitária europeia e que coloca uma nova e derradeira
questão: Como superar este drama Europeu?
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