Já aqui abordei a questão da legitimidade do acordo
governativo de esquerda a partir duma perspectiva substantiva/ideológica (vide Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD) bem como a justifiquei dum ponto de vista identitário (vide Em NOME da Diferença). Resta
enquadrar os motivos identitários e ideológicos num quadro legal e
institucional legítimo para que a solução apresentada à esquerda da política
portuguesa se constitua numa solução de
plena legitimidade. Vejamos…
No dia 04 de Outubro, os portugueses votaram para a
constituição da Assembleia da República Portuguesa, dando expressão por via
desse voto à democracia parlamentar que é a vigente do nosso regime
republicano. Repito, “…votaram para a constituição
da Assembleia da Republica Portuguesa…democracia
parlamentar que é a vigente do nosso regime republicano.” Contados os
votos, a Assembleia da República Portuguesa assumiu uma configuração que nunca
antes tinha ocorrido, correspondente ao facto da força política mas votada ter
sido da direita mas sem a direita conseguir reunir a maioria parlamentar. Do
resultado eleitoral, a única interpretação factual e não subjectiva a poder ser
feita constitui-se na seguinte:
- um governo com maioria parlamentar, com condições para
governar, teria de incluir obrigatoriamente ou a coligação PàF ou o PS mas nunca
sozinhos; o voto dos portugueses ditou que o governo a formar, de maioria
parlamentar se quisesse ter condições de estabilidade, teria necessariamente de
assumir uma das seguintes configurações:
·
PàF + PS;
·
PàF + PS + BE;
·
PàF + PS + PCP/PEV;
·
PàF
+ PS + BE + PCP/PEV;
·
PàF
+ PS + PAN;
·
PàF
+ BE + PAN;
·
PàF
+ PCP/PEV + PAN;
·
PàF
+ PS + BE + PAN;
·
PàF
+ PS + PCP/PEV + PAN;
·
PàF
+ PS + BE + PCP/PEV + PAN;
·
PS + BE + PCP/PEV;
·
PS
+ BE + PCP/PEV + PAN.
Qualquer uma das configurações governativas supracitadas
reveste-se de legitimidade não só formal, legal ou constitucional mas acima de
tudo, democrática porquanto resulta da composição parlamentar determinada pelo
voto democrático da população portuguesa, que lembro vota para a formação da
Assembleia da República e não para a escolha de um governo.
Face às diferentes possibilidades de governação estável, o
Presidente da República convidou (e bem), a força política mais votada (PàF) a
formar governo que garantisse uma maioria parlamentar capaz de garantir
estabilidade a essa solução. Das 12 possibilidades de formar governo com
maioria parlamentar de que dispunha a coligação PSD/CDS , a PàF não conseguiu
concretizar nenhuma delas. Ora, perante a incapacidade da força política mais
votada em concretizar, a partir da nova configuração parlamentar emanada do
voto democrático, uma solução governativa estável, e atendendo à possibilidade
da existência de outras soluções possíveis de constituição de governo de maioria
parlamentar, seria expectável e constituir-se-ia até num dever de Presidente da
República, de acordo com os princípios de uma democracia parlamentar, convidar
o partido indispensável à formação dessa mesma solução governativa alternativa (PS)
a formar governo que se pudesse revestir de uma estabilidade conferida por uma
maioria parlamentar. Mais uma vez, o Presidente da República actuou bem e assim
o fez, sendo que, e ao contrário da incapacidade revelada pela PàF, o Partido
Socialista, das 2 possibilidades de formar governo de maioria parlamentar que
se lhe ofereciam derivadas do voto democrático (excluindo-se obviamente as que
incluíam a PàF), conseguiu concretizar uma, corroborada por BE e PCP/PEV.
O processo descrito acima não é senão o normal funcionamento
de uma democracia parlamentar e a solução governativa emanada, é-o directamente
da representatividade do voto popular e portanto legítima do ponto de vista
formal, legal e constitucional. Se considerarmos que esta legitimidade legal e
democrática é corroborada e consubstanciada por motivações de cariz identitário
e ideológico/programático (já atrás mencionados) que legitimam o distanciamento
do PS das forças da direita e o aproxima das da esquerda, então a solução
governativa liderada por António Costa, não só tem legitimidade plena como
seria até incompreensível e criticável mesmo se António Costa por ela não
lutasse.